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O Direito dos Homossexuais ao longo da História

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Mensagem por F. Coulomb Sáb Set 04, 2010 8:43 pm

A história da Sodomia desde a Antigüidade Clássica até o Colonialismo português na América

I. O conceito de sodomia

A sodomia masculina sempre foi considerada um pecado dentro da moral cristã. No o Levítico (20:13) afirma que “se também um homem se deitar com outro homem, como se fosse mulher, ambos praticaram coisa abominável; serão mortos; o seu sangue cairá sobre eles”.

Esse trecho do Antigo Testamento bíblico explicita o pensamento que os cristãos tinham acerca do homoerotismo masculino. Entretanto, quando se referem ao termo sodomia, que designa o pecado herético, os teólogos medievais não concordavam no sentido que davam à palavra.

Muitas vezes, a sodomia não só representava as relações entre pessoas do mesmo sexo, como também certas formas sexuais: indo desde a masturbação até a zoofilia, também chamada de bestialidade. Ela era associada aos contatos contra natura, o que inclui o coito anal e o sexo oral.

Esse problema conceitual gerou uma série de conflitos relativos a condenações de homens e mulheres que eram denunciados como sodomitas.

É importante ressaltar também que, mesmo quando sodomia representava o ato sexual entre pessoas do mesmo sexo, o termo se diferia do que hoje entendemos por homossexualismo.

Na chamada Baixa Idade Média, o termo sodomia era relativo à conduta do acusado, não sendo relacionada ao caráter ou à personalidade da pessoa. Ou seja, a sodomia não era algo inato, mas um mau hábito. Somente a partir do século XII, quando a sodomia passou a ser mais visada pela Igreja, que o termo passou a caracterizar as pessoas.

Ao final do século XVII, um teólogo chamado Luigi-Maria Sinistrari escreveu um imenso tratado chamado De Sodomia, que se preocupava em classificar as práticas sexuais ilícitas entre as mulheres e ordená-las segundo sua gravidade, definindo a punição necessária.

Como o tratado ocorreu em fins do século XVII, quase um século após a Visitação de Heitor Furtado ao Brasil, é lógico pensar que ele não teve qualquer influência nos julgamentos que ocorreram no período. Entretanto, Ligia Belline (1989) considera importante mencioná-lo, pois o estudo de Sinistrari mostra com clareza qual era a natureza das discussões na teologia moral da época acerca do assunto.


II. Da Antigüidade Clássica ao final do Feudalismo medieval

A sociedade grega era plural, cada cidade-estado apresentando características específicas. No âmbito da sociedade grega, vamos nos focar Atenas, mais especificamente, a elite ateniense, que se destacou pelo pensamento filosófico.

Os casamentos não ocorriam por amor na sociedade grega, eram negociados entre as famílias como uma união de propriedades. As mulheres atenienses eram confinadas aos seus lares e escolhidas, além de através dos bens e da herança, por sua capacidade de gerar filhos.

Nesse contexto, eram comuns relações sexuais entre dois homens. Em especial, a chamada pederastia, cuja palavra é relativa à educação. Nesse tipo de relação, um dos parceiros é o erômeno, aluno que se situava entre a idade de 12 e 18 anos e o outro é o erasta, professor, que costumava ser um aristocrata adulto.

É ilusório pensar, entretanto, que a homossexualidade era totalmente aceita na sociedade ateniense. Entre os gregos, o ato sexual entre dois homens adultos era extremamente criticado. Isso decorria do fato de que, quando ambos os parceiros tinham a mesma faixa etária, o passivo passava a ser considerado a mulher ou o escravo, que não eram considerados cidadãos e não podiam participar da vida política na polis ateniense.

Em Roma, o ato de deitar-se com outro homem era chamado de “amor à grega”, ainda que os romanos não tivessem nenhum tipo de oposição a essa prática antes do advento do cristianismo no Império.

A sociedade, entretanto, parecia condenar os homens que eram penetrados. Mas, como o próprio Caio Júlio César era chamado de “esposa de todos os homens e marido de todas as mulheres”, provavelmente, o condenável era se tornar um homem afeminado, o que, tal qual na sociedade grega, parecia ser pensado do passivo.

Na chamada Baixa Idade Média, época de transição do modelo social Greco-Romano ao feudalismo medieval, os pensadores cristãos se divergiam entre os que condenavam o sexo por prazer e os que o toleravam e justificavam como necessário à procriação.

Agostinho de Hipona, por exemplo, fala do desejo sexual como necessário para a procriação e, nesse âmbito, o aceita. Segundo ele, Adão e Eva, no Genesis bíblico, teriam sido criados para povoar o paraíso e, por isso, haveria desejo sexual mesmo no Éden, já que o próprio Agostinho menciona que sem ele era impossível a procriação; mas esse desejo teria sido domado através da consciência e razão humanas.

Entretanto, Agostinho (2005) ainda diz que a abstinência sexual é o caminho mais adequado ao homem:

Sem dúvida, tu me ordenas que eu me abstenha da concupiscência da carne, da concupiscência dos olhos e da ambição do mundo. Tu me ordenaste a abstenção do concubinato e, ainda que me permitindo o matrimônio, me ensinaste algo bem melhor. (p.297)
Muitos tentaram criar um código de leis para punir os homossexuais. O bizantino Justiniano (527-65) chegou a afirmar que as práticas homossexuais eram causa de grandes catástrofes que ocorriam aos homens e impôs a pena de morte a qualquer um que a praticasse. A idéia dele acompanhou toda a Idade Média, em especial entre os séculos XII e XIV, quando a sociedade européia se via diante de grandes calamidades, como a peste e a fome.

No início da Idade Média, entretanto, a pena para quem praticasse o sexo com alguém do mesmo sexo era a penitência. Alguns padres que realizavam práticas homossexuais se confessavam com outros padres que as praticavam a fim de diminuir a sua pena. Nas cidades, havia uma verdadeira comunidade homossexual, para a qual havia clubes especiais e até gírias. Essas comunidades foram crescendo e incomodando a Igreja e o Estado.
Na Alta Idade Média, período de auge do poderio da Igreja, as comunidades urbanas e a nobreza criaram uma série de normas, cada vez mais rígidas, para combater a homossexualidade. No século XIII, diversos manuais surgiram para os confessores, eram chamados de Summae.

Também intelectuais, como são Tomás de Aquino, preocupavam-se em criticar a prática homossexual. Muitos deles relacionavam-na ao paganismo, a lepra, dentre outros; além de, como Justiniano, associá-la a grandes catástrofes.

O livro escrito por Jeffrey Richards (1993), Sexo, Desvio e Danação, no que se refere à homossexualidade durante a Idade Média, trata-se principalmente de uma crítica ao famoso texto de John Boswell, Christianity, Social Tolerance and Homosexuality. Entretanto, para realizá-la, ele conduz o leitor a toda uma reflexão sobre a relação entre o cristianismo e os homossexuais durante o medievo ocidental:

[size=10]Por toda a luz inestimável que o livro de Boswell projeta sobre o tema das atitudes em relação à homossexualidade e sobre a prática da homossexualidade na Idade Média, suas duas teses principais me parecem ser contrárias à evidência. O cristianismo era fundamentalmente hostil à homossexualidade. A mudança na Idade Média não foi um deslocamento da tolerância para a intolerância por razões não-intrínseca às crenças cristãs, mas uma alteração nos meios de lidar com a questão. No período inicial da Idade Média, a punição era a penitência; no período posterior, a fogueira. Mas nunca foi questão de permitir aos homossexuais prosseguir em sua atividade homossexual sem punição. Eles eram obrigados a desistir dela ou arriscar a danação. (p. 152)
III. Perseguição na Península Ibérica e na América espanhola

Na Península Ibérica, a versão das penas destinadas aos sodomitas é encontrada no Código de Afonso, o Sábio (Ordenações Afonsinas), que condenava à morte um homem que pecasse contra natura já no século XIII.

Mesmo antes do estabelecimento da Inquisição em Portugal (1536), as Ordenações Manuelinas (1512), em substituição às Afonsinas, "fixaram a pena de morte na fogueira a qualquer homem que cometesse o pecado da sodomia" (Vainfas, 2006, p. 118). Essa morte era semelhante àquela que sofriam os que cometiam o crime de lesa-majestade.

O Santo Ofício surgiu em Portugal muito mais para controlar e fiscalizar a prática de uma fé que não fosse a cristã, em especial o judaísmo. Mas se envolveu, também, com outras questões. Ele estabeleceu uma relação entre sodomia e heresia e, dessa forma, a sodomia como um crime contra a fé.

Ao contrário do Santo Ofício espanhol, que estabeleceu três tribunais na América, mais especificamente no Peru (1570), no México (1571) e em Cartagena, no Chile (1610); o de Portugal não procurou fazer o mesmo nas terras brasileiras, deixando a cargo do bispo da Bahia o papel de inquisidor.
Lisboa também enviou visitadores ao Brasil, provavelmente para perseguir os cristãos-novos que cometiam práticas judaizantes. As Visitações ocorreram na Bahia (1591-93 e 1618), em Pernambuco (1594-95) e no Pará (1763).

Mas, ainda que a intenção não tenha sido condenar crimes morais, o estudo feito por Sônia Siqueira (1978) mostra que um número si
gnificativo de crimes confessados possuía essa natureza. Destes, entre os mais denunciados, estavam os sodomitas (42,7%), depois, os bígamos (25,6%).
 

IV. Inquisição no Brasil colonial

Os primeiros julgamentos de sodomia feminina em todo o Império Português ocorreram no Brasil, durante a Primeira Visitação do Santo Ofício, na figura de Heitor Furtado, à Bahia entre 1591 e 1595.

Na época, muitas mulheres confessaram antigos namoros e toques com amigas de infância para extravasar a própria sexualidade antes do casamento. Outras, que já eram casadas, experimentavam deitar-se com outras mulheres após a frustração de se ver casada com um homem que não se importava com seus desejos e muitas vezes as maltratavam.

O casamento era visto como questão de Estado no Brasil colonial devido à necessidade de povoamento da colônia. Na visão da Igreja, os cônjuges não deviam unir-se por amor, mas por dever: para procriar. E é importante ressaltar que esse dever envolvia o “adestramento feminino” tanto dentro do lar e do casamento, quanto fora.

Emanuel Araujo (2006) diz que refugiar-se no amor de outra mulher era uma das formas de reação feminina contra a repressão masculina, que as forçava a ficar reclusas para aprisionar sua sexualidade:

Na verdade, muitas vezes não se tratava de homossexualismo, mas, quando a reclusão feminina era de fato praticada com severidade, aumentavam naturalmente os contatos entre mulheres; o que se efetivava de diversas maneiras: com visitas freqüentes, trocas de confidências e experiências, maior afetividade e compreensão no sofrimento comum e assim por diante, numa mistura de cumplicidade, refúgio e solidariedade. (p. 65-66)
Segundo Araújo, nos primeiros anos da década de 1590, 29 mulheres praticavam atos homossexuais esporadicamente ou de modo permanente. Não se preocupavam em esconder-se da Inquisição. Mas, ainda que algumas, como Felipa de Sousa, Paula Siqueira e Maria Lourenço, se conhecessem e reconhecessem como desviantes, essas mulheres não formavam um grupo à parte. Não tinham tal percepção, pois eram confinadas à vida privada.

Poucos casos houveram de julgamento da sodomia feminina em Portugal até o século XVII. Essa inexperiência levou o Tribunal de Goa a perguntar ao Conselho Geral do Santo Ofício o que fazer a respeito. A resposta deixa claro o desconhecimento que eles tinham da sexualidade e do corpo feminino.

Vainfas (2006) ainda afirma que, “a partir de meados do século XVII, os inquisidores portugueses passaram a se ocupar apenas da sodomia entre homens; vez por outra, mas muito raramente, investigavam alguns casos de sodomia heterossexual." (p. 123)

Luiz R. B. Mott (1986) trata principalmente da prática homossexual entre os escravos africanos, entretanto, não há razão para não englobar alguns dados aos brancos também. Segundo ele, a pequena quantidade de mulheres na colônia foi um dos motivos que levaram a surgir práticas sodomitas. Os portugueses consideraram isso e procuraram enviar mulheres para o Brasil como um método para erradicá-lo, como mostra o filme Desmundo (Alain Fresnot, 2003). Ainda assim, isso não é suficiente para explicar a prática homossexual, pois os homens ainda podiam encontrar outras formas de satisfazer-se, como através do bestialismo e da masturbação.

Alguns historiadores renomados, como Gilberto Freyre, supõem que os europeus teriam trago a homossexualidade ao Brasil, sendo eles os responsáveis pela prática entre os escravos africanos. Entretanto, é sabido que ela sempre existiu em todos os continentes, inclusive na África.

Segundo uma análise dos documentos do Santo Ofício, no Nordeste brasileiro, em fins do século XVI, a maior parte dos sodomitas presos era branca. E a maior parte dos negros e mulatos que cometiam esse crime, o cometia com brancos. Esses dados são questionáveis, entretanto, devido à coisificação do escravo africano na sociedade escravista moderna. Como o negro não era considerado “pessoa”, mas “animal” ou “coisa”, é possível que fosse menos denunciado quando a prática da sodomia ocorresse entre negros.

Os culpados do crime de sodomia eram penalizados com a morte na fogueira, seus bens eram confiscados e os filhos considerados infames.

Em relação aos delatores, muitos faziam as denuncias sem ter conhecimento do que era, de fato, a sodomia; e podiam fazê-lo não só por moralismo, mas também por ciúme, vingança ou medo do Santo Ofício.

V. Conclusão

Esse breve percurso acompanha a homossexualidade nos principais modos civilizacionais que ajudaram a formar o que hoje nós chamamos de Civilização Ocidental, da qual o Brasil é parte.

Podemos ver a figura do homossexual passivo associada à mulher, desprezada por todas as sociedades listadas nessa síntese. Também o modo como a homossexualidade vai contra certos princípios básicos do cristianismo, um dos principais formadores da moral que hoje existe no Brasil.

O objetivo desse breve relato não é traçar uma linha temporal para contar a história dos homossexuais no ocidente, mas tentar descobrir as origens do preconceito que hoje é predominante em grande parte das nações que fazem parte do modelo civilizacional tratado, já que descobrir de onde surgiu determinado conceito é fundamental para entendê-lo e, por fim, combatê-lo, caso necessário.



Bibliografia:
AGOSTINHO. Confissões. 18. ed. São Paulo: Paulus, 2005.
ARAÚJO, Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na colônia. In: DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 45-77.
BELLINI, Ligia. A coisa obscura: mulher, sodomia e inquisição no Brasil colonial. São Paulo: Brasiliense, 1989. 101p.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Grécia e Roma: vida pública e vida privada, cultura, pensamento e mitologia, amor e sexualidade. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2004. 142p.
MARCÍLIO, Maria Luiza. Família, mulher, sexualidade e Igreja na história do Brasil. São Paulo: Edições Loyola, c1993. 203p.
MOTT, Luiz R. B. Escravidão e homossexualidade. In: VAINFAS, Ronaldo. Historia e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p. 19-40.  
RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação: as minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1993. 181p.
SOUSA, Luana Neres de. As práticas homossexuais masculinas em Atenas nos séculos V e IV a.C: uma análise da obra de Platão. Ensaios de História, Franca, SP , v.9, n.1/2 , p.35-44, jan. 2004
TOMÁS. Suma teológica: os hábitos e as virtudes, os dons do Espírito Santo, os vícios e os pecados, a lei antiga e a lei nova, a graça: volume 4: seção 1: parte 2: questões 49-114. São Paulo: Edições Loyola, c2005. 938p.
VAINFAS, Ronaldo. A Teia da Intriga. In: VAINFAS, Ronaldo. Historia e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p. 41-66.
VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no Ocidente cristão. São Paulo: Ática, 1986. 94p.
VAINFAS, Ronaldo. Homoerotismo feminino e o Santo Ofício. In: DEL PRIORE, Mary. História das mulheres no Brasil. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2006. p. 115-140.




N.A.: Esse é um pedaço de um artigo feito por um grupo de pesquisa da PUC-MG, um trabalho interdisciplinar entre alunos do curso Direito e e do de História, coordenado por mestrandos do Direito. Acho que esclarece um pouco sobre o preconceito contra homossexuais, então estou divulgando Cool
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